Eram duas e tal da manhã quando liguei a televisão.
Era um miúdo, uma escola, um professor daqueles à moda antiga, com bigode, aspecto respeitável e fato riscado.
Eram miúdos à bulha num chão de terra batida e vinha uma bicicleta daquelas pretas de rodas grandes..eram todas iguais naquele tempo, lembram-se? Sim, vocês!! Não se lembram da bicla do vosso avô? Hoje os miúdos já nem sabem andar de bicicleta!
E corria um rio, havia campo com fartura e os miúdos corriam em bandos nos seus fatos pobres, mas honrados, que era o mesmo a semana toda e mudava ao domingo para ir à missa. Era o miúdo e o irmão mais velho e o momento em que o professor de música ensina que pegar num instrumento é como agarrar a namorada, com força mas com carinho! ahhahaha E as notas só lhe sairam quando ela o olhou à distância...o grande amor da sua vida ficou-se por isso mesmo... dois dias de olhar e um adeus escondido à beira da estrada, que a carroça já fugia e o braço dela ficava hirto no ar enquanto os olhos dele ficavam mareados.
Foi então que o professor os levou ao campo e lhes ensinou como as borboletas colhem o néctar das flores... a língua que se enrola à volta da cabeça e se estende até ao fundo do caule para beber o sumo mais doce do mundo!
A oferta de uma flor no meio de um rio cheio de lama e miúdas felizes, o cão que morre atacado por um bêbedo, o grilo príncipe que se distingue do grilo rei por cantar melhor, os livros e os panfletos que acabam na lenha para garantir a liberdade presa numa mentira.
O Franquismo chega, os cobardes encolhem-se, os que têm espinha são levados numa carrinha de caixa aberta. O miúdo olha o seu mestre na carrinha, e ainda com a língua estendida sente-se-lhe uma dor que não vai acabar...mas a língua enrola-se na cabeça a mando da mãe e do pai. Cego pela cobardia alheia, segue a carrinha apedrejando o homem que mais importância teve na sua vida.
Às vezes vale a pena ligar a televisão! Se encontrarem este filme não o percam!
La lengua de las mariposas (1999)Película de José Luis Cuerda. Con Fernando Fernán Gómezy Manuel Lozano (Moncho).
Acenos da varanda central,
Viscondessa da Porcalhota
2 Comments:
Este não dá vontade de parodiar, porque me lembra cenas idênticas em solo português. Os miúdos rotos, mas limpos, o mesmo fato todos os dias (quando tinham fato)e que trocavam por um menos roto para irem à missa ouvir as frases sem nexo(para eles) do pároco da aldeia que pugnava sempre por sua eminência e por sua excelência (de má memória). Eram os mestres, também eles famintos, também eles rotos, e eram os operários e também alguns burgueses, que os havia graças a Deus, a fugirem das carrinhas de caixa aberta ou fechada, a fugirem do jacto de tinta azul, a fugirem dos cacetetes, a fugirem dos telefones com escutas, a fugirem dos colegas, amigos ou familiares com ligações à doutrina de sua eminência e de sua excelência, que os havia por todo o lado. Não vi a "Língua das Mariposas", mas vou tentar ficar acordada quando tiver oportunidade de o ver, em memória do miúdo, da escola e do professor "daqueles à moda antiga, com bigode, aspecto respeitável e fato riscado", que não sei se, como os nossos, também tinha uma menina de cinco olhos.
Com que então andamos dedicadas ao cinema de autor, em língua Castelhana. Ainda não vi esse filme, mas já tirei apontamentos e está na lista de espera juntamente com os filmes do Alejandro Amènabar, Luis Ballegueró, Alex de La Iglesia, Pedro Almodovar, Luis Buñuel e tantos outros cineastas «hermanos»... ;)
http://www.imdb.com/title/tt0188030/
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