Friday, April 15, 2005

A Língua das Mariposas

Eram duas e tal da manhã quando liguei a televisão.
Era um miúdo, uma escola, um professor daqueles à moda antiga, com bigode, aspecto respeitável e fato riscado.
Eram miúdos à bulha num chão de terra batida e vinha uma bicicleta daquelas pretas de rodas grandes..eram todas iguais naquele tempo, lembram-se? Sim, vocês!! Não se lembram da bicla do vosso avô? Hoje os miúdos já nem sabem andar de bicicleta!
E corria um rio, havia campo com fartura e os miúdos corriam em bandos nos seus fatos pobres, mas honrados, que era o mesmo a semana toda e mudava ao domingo para ir à missa. Era o miúdo e o irmão mais velho e o momento em que o professor de música ensina que pegar num instrumento é como agarrar a namorada, com força mas com carinho! ahhahaha E as notas só lhe sairam quando ela o olhou à distância...o grande amor da sua vida ficou-se por isso mesmo... dois dias de olhar e um adeus escondido à beira da estrada, que a carroça já fugia e o braço dela ficava hirto no ar enquanto os olhos dele ficavam mareados.
Foi então que o professor os levou ao campo e lhes ensinou como as borboletas colhem o néctar das flores... a língua que se enrola à volta da cabeça e se estende até ao fundo do caule para beber o sumo mais doce do mundo!
A oferta de uma flor no meio de um rio cheio de lama e miúdas felizes, o cão que morre atacado por um bêbedo, o grilo príncipe que se distingue do grilo rei por cantar melhor, os livros e os panfletos que acabam na lenha para garantir a liberdade presa numa mentira.
O Franquismo chega, os cobardes encolhem-se, os que têm espinha são levados numa carrinha de caixa aberta. O miúdo olha o seu mestre na carrinha, e ainda com a língua estendida sente-se-lhe uma dor que não vai acabar...mas a língua enrola-se na cabeça a mando da mãe e do pai. Cego pela cobardia alheia, segue a carrinha apedrejando o homem que mais importância teve na sua vida.
Às vezes vale a pena ligar a televisão! Se encontrarem este filme não o percam!

La lengua de las mariposas (1999)Película de José Luis Cuerda. Con Fernando Fernán Gómezy Manuel Lozano (Moncho).
Acenos da varanda central,
Viscondessa da Porcalhota

2 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Este não dá vontade de parodiar, porque me lembra cenas idênticas em solo português. Os miúdos rotos, mas limpos, o mesmo fato todos os dias (quando tinham fato)e que trocavam por um menos roto para irem à missa ouvir as frases sem nexo(para eles) do pároco da aldeia que pugnava sempre por sua eminência e por sua excelência (de má memória). Eram os mestres, também eles famintos, também eles rotos, e eram os operários e também alguns burgueses, que os havia graças a Deus, a fugirem das carrinhas de caixa aberta ou fechada, a fugirem do jacto de tinta azul, a fugirem dos cacetetes, a fugirem dos telefones com escutas, a fugirem dos colegas, amigos ou familiares com ligações à doutrina de sua eminência e de sua excelência, que os havia por todo o lado. Não vi a "Língua das Mariposas", mas vou tentar ficar acordada quando tiver oportunidade de o ver, em memória do miúdo, da escola e do professor "daqueles à moda antiga, com bigode, aspecto respeitável e fato riscado", que não sei se, como os nossos, também tinha uma menina de cinco olhos.

10:39 AM  
Blogger Inês Ramos said...

Com que então andamos dedicadas ao cinema de autor, em língua Castelhana. Ainda não vi esse filme, mas já tirei apontamentos e está na lista de espera juntamente com os filmes do Alejandro Amènabar, Luis Ballegueró, Alex de La Iglesia, Pedro Almodovar, Luis Buñuel e tantos outros cineastas «hermanos»... ;)

http://www.imdb.com/title/tt0188030/

10:04 PM  

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