Saturday, February 04, 2006

Senhor Gárgula


Nos últimos cinco meses passo sempre por uma porta ali na sexta avenida que tem à porta um senhor musculado e atarracado, de casaco negro até aos pés e um chapéu à gangster de bairro com uma pena vermelha. Tem ar de bicho empalhado com bigode. Está ali à porta, aquele homem, faça chuva ou faça sol, até nevou e aquela alminha dali não arreda pé! Está lá sempre! Aquele senhor é como se fizesse parte do passeio público, da fachada do prédio... da paisagem. Ora eu passo e olho para ele e ele olha para mim, mas nunca me viu! Aquela alma está-me ali enfiada na fazenda preta, devem passar por ele milhares de pessoas diariamente, que ele olha, mas não vê e é isto!
Eu pergunto-me o que vê ele... Como é ficar ali em versão gárgula de rés do chão de pena arrepiada no alto do cocuruto!? Não se cansa?Os meses passam e aqui há dias vi-o rir!! Até fiquei mais descansada, mas só naquele dia é que dei conta que ele está sempre sisudo, e embora nunca tivesse pensado nisso, podia ser uma gárgula sem dentes. Mas não! Ele sorria-se todo para outro master de fazenda preta, em pós aparelho toda a adolescência.
Ontem passei e até pensei que me tinha enganado na rua, mas não.. era só a gárgula que não estava! Isto até pode parecer estranho, mas dei comigo a pensar se estaria doente...Uma pessoa acaba por se preocupar mesmo que não queira! Sempre ali à porta na corrente de ar, já estamos em Janeiro e mesmo com a pluma exótica em riste no chapéu de gangster não se pode dizer que NY seja um trópico... o espirro pulula e o bicho entra e ataca como se não houvesse amanhã!Agora estou para aqui nesta preocupação com o Senhor Gárgula, o prédio sem porteiro e as milhares de pessoas que passam por ali todos os dias e há muito mais tempo do que eu também já devem estar a estranhar.
Devia pôr-se um pino daqueles cor de laranja que se põem na estrada, enquanto o senhor volta e não volta, porque aquilo agora até parece que tem um buraco na rua!
Espero que se não voltar seja porque arranjou um pouso mais quentinho.
Até sempre, Senhor Gárgula!!
Acenos da Varanda Central,
Viscondessa da Porcalhota

5 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Gárgula de rés do chão?! Brilhante cara Viacondessa!

9:41 PM  
Anonymous Anonymous said...

Adorei a "versão gárgula de rés do chão de pena arrepiada..". Só a minha querida menina para engendrar um texto destes! É linda e eu tenho muitas saudades.

7:39 AM  
Blogger Nuno Zeppo said...

Estimada Viscondessa,

Compreendo a preocupação pela falta do chapéuzinho à gangster e da pena vermelha!...Talvez não passe de uma valente gripe, ou uma reforma merecida, em lugares mais quentes e suportáveis!...De qualquer forma, é apreciável o sentimento de Sua Senhoria por um simples súbdito do Seu Reino, Digníssima Viscondessa, e é de louvar também a nobresa do sentimento, relembrando-nos assim que não deixam de existir pessoas, como é o caso de Vossa Senhoria, que nos chamam a atenção para o facto de que, mesmo nós, quando nos encontramos tão afastados como estamos, na realidade, nunca estaremos sózinhos, nem nós nem ninguém, porque há sempre uma alminha, num lado ou noutro, que se preocupa connosco, ou que está simplesmente a pensar em nós, e por isso, nunca estamos sózinhos. Penso que, se tornar a cruzar olhares com o senhor do capote e da pena vermelha, deve contar-lhe o sucedido, incluíndo o facto de que até escreveu acerca dele nestas Suas reais memórias! mesmo que ele não o reconheça imediatamente, decerto que irá pensar nisso, e aposto que ainda o fará desvendar algum sorriso escondido, nalgum canto de ternura existente no seu coração.
Alvíssaras Senhora,

Deste Seu estimado Conde e Irmão,
CBC

8:03 AM  
Anonymous Anonymous said...

Keep up the good work » » »

8:13 PM  
Anonymous Anonymous said...

best regards, nice info »

2:20 PM  

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