Monday, February 06, 2006

MOMA... É uma festa!!!




Das escadas na janela, à parede gigante com um quadradinho se vidro a sorrir ao canto, das paredes de vidro com Manhattan vertical a erguer-se do lado de fora, ao jardim de estátua caída no chão com a cabeça no lago, da vertigem da janela com três dedos de chão de vidro à imensidão branca das paredes, Moma é uma festa. Um espaço em branco repleto de emoções.

Eu odeio o aborrecimento do excesso de organização, mas o facto é que funciona. Mal se entra esbarramos na cor e somos conduzidos para uma fila de A a Z para depósito de casacões e mochilas em troca de uma ficha, como saco em supermercado de bairro... as pessoas movimentam-se desencontradas como se fossem elas a própria da instalação, e qual buraco de Alice os cordões da segurança abrem-se para o fantástico.

Quem pensa que vai entrar no mundo do museu de escuridão austera, desengane-se! Logo à entrada esbugalham-se os olhos num painel cheio de peixes destacados pelo picotado e caretas felizes e iluminadas! Viva o mundo do desenho animado. A viagem faz-se de frame em frame, de esboço em esboço. Uma festa de cores e caras espantadas, de miúdos tão sorridentes que não acreditamos que possam ter cabelos brancos. De óleo em pastel e carvão em movimento na tv, os desenhos desdobram-se ali às cambalhotas, da cave ao primeiro andar, num crescente sem margem para nos deixar para crescer!

E assim se sobe por ali acima, esbarrando em cores, espaços e sufocos. É uma magia cósmica, como se as obras nos manipulassem os sentidos. E ali ficamos, com os orgãos aos encontrões, empacotados, espremidos, desarrumados, o coração a empurrar o fígado e os rins a acotovelar os pulmões, ficamos sem ar, só assim, a olhar, a ver, a navegar onde quiseremos, a mergulhar longe... e de repente entram as tropas, a invasão nipónica chega num flash esquecido e nos clics fotográficos, PAFFF!!! Como o estalar de dedos para acordar da hipnóse, e eles avançam... somos como um campo de milho a ser sobrevoado por gafanhotos....záááááássssssssss!!! Passam a correr, devastando o silêncio... puff! e os orgãos encolhidos voltam a desarrumar-se no corpo, entre sorrisos.

Queremos ver tudo a correr, mas os pés prendem-se aos olhos, ficam ali, e o melhor é cruzar as pernas no chão para apoiar a alma...Glupsst! Volta a faltar o ar com sofreguidão com que os olhos engolem. O mergulho é demorado e quando o ar falta nascem as guelras para respirar na tinta. Fica-se assim, no tudo o que o silêncio guarda, sem espaço para mais... num vazio enorme preenchido de tudo até transbordar.

Sai-se de casaco na mão, de orgãos desarrumados, envólucro repleto e é-se engolido no cinzento.

De vez em quando quero voltar a trocar o meu casaco por uma ficha de supermercado e a desarrumar os orgãos.

Acenos da Varanda Central,

Viscondessa da Porcalhota

Saturday, February 04, 2006

Senhor Gárgula


Nos últimos cinco meses passo sempre por uma porta ali na sexta avenida que tem à porta um senhor musculado e atarracado, de casaco negro até aos pés e um chapéu à gangster de bairro com uma pena vermelha. Tem ar de bicho empalhado com bigode. Está ali à porta, aquele homem, faça chuva ou faça sol, até nevou e aquela alminha dali não arreda pé! Está lá sempre! Aquele senhor é como se fizesse parte do passeio público, da fachada do prédio... da paisagem. Ora eu passo e olho para ele e ele olha para mim, mas nunca me viu! Aquela alma está-me ali enfiada na fazenda preta, devem passar por ele milhares de pessoas diariamente, que ele olha, mas não vê e é isto!
Eu pergunto-me o que vê ele... Como é ficar ali em versão gárgula de rés do chão de pena arrepiada no alto do cocuruto!? Não se cansa?Os meses passam e aqui há dias vi-o rir!! Até fiquei mais descansada, mas só naquele dia é que dei conta que ele está sempre sisudo, e embora nunca tivesse pensado nisso, podia ser uma gárgula sem dentes. Mas não! Ele sorria-se todo para outro master de fazenda preta, em pós aparelho toda a adolescência.
Ontem passei e até pensei que me tinha enganado na rua, mas não.. era só a gárgula que não estava! Isto até pode parecer estranho, mas dei comigo a pensar se estaria doente...Uma pessoa acaba por se preocupar mesmo que não queira! Sempre ali à porta na corrente de ar, já estamos em Janeiro e mesmo com a pluma exótica em riste no chapéu de gangster não se pode dizer que NY seja um trópico... o espirro pulula e o bicho entra e ataca como se não houvesse amanhã!Agora estou para aqui nesta preocupação com o Senhor Gárgula, o prédio sem porteiro e as milhares de pessoas que passam por ali todos os dias e há muito mais tempo do que eu também já devem estar a estranhar.
Devia pôr-se um pino daqueles cor de laranja que se põem na estrada, enquanto o senhor volta e não volta, porque aquilo agora até parece que tem um buraco na rua!
Espero que se não voltar seja porque arranjou um pouso mais quentinho.
Até sempre, Senhor Gárgula!!
Acenos da Varanda Central,
Viscondessa da Porcalhota